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 O passeio de Jorge na carreata do Império Serrano

Tradicional desde 1970, o cortejo faz um tour pela Zona Norte do Rio no domingo após o Dia de São Jorge, mas, por conta do coronavírus, 2021 será o segundo ano sem os festejos. O Pelos Subúrbios entrevistou aqueles que organizavam a festa: os baluartes do Império

25 de abril de 2021, 14h00
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Sérgio Dandão, Branco Malandro e Paula Maria na quadra do Império. Imagem: João Vitor Costa

Domingo, 25 de abril: o primeiro após o dia de São Jorge. Em Madureira, bairro do coração do Subúrbio, conhecido pelo samba, comércio e boemia, fica a quadra do Império Serrano. Seguindo as tradições, que já duram cinquenta anos, esse seria mais um domingo especial nos arredores do Reizinho de Madureira: o da carreata para São Jorge, em que os imperianos se reúnem para levar a imagem do santo guerreiro em um tour pela Zona Norte do Rio. Mas ao avistar o Shopping dos Peixinhos e virar a esquina, nos deparamos com a quadra de portões fechados. Isso porque, por conta do coronavírus, pelo segundo ano seguido, essa tradição ficará apenas nas memórias.

Para que esse dia não passe em branco, o Império Serrano preparou um mini documentário na TV Império, no quadro “Histórias da nossa história”. De acordo com Paula Maria, vice-presidente cultural da escola de samba, isso será uma homenagem à carreata. “Dá uma saudade de ver, já que é um evento que faz parte do calendário do Império”, confessa. No último domingo, dia 18, Paula refez o trajeto do cortejo para somar as imagens ao material aos depoimentos dos frequentadores, reunidos pelo o Departamento Cultural. “Colhemos vídeos de participantes, todos sentindo muita falta: muitas histórias para contar, desde o diretor até o componente.”

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Paula Maria na quadra do Império. Imagem:  João Vitor Costa

Um dos entrevistados para o documentário é Sérgio Dandão: baluarte da escola e responsável por confeccionar as fantasias há, como diz, “um cado de ano”. Nascido e criado em Madureira, Dandão parece uma enciclopédia de tanta informação que sabe sobre a escola, seus integrantes e, não podia ser diferente, a carreata de São Jorge: “Antigamente, o pessoal chegava à quadra, estacionava o carro e ia andando para a missa”, lembra. Como, após o fim da celebração, todos retornavam à quadra para comer e beber uma cervejinha, segundo Dandão, o então presidente do Império Serrano, Irani Santos Ferreira, decidiu unir tudo. “O Irani falou que era melhor fazer logo uma carreata, porque ia crescer mais e deu no que deu”, explica.

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Sérgio Dandão sorrindo na quadra do Império. Imagem:  João Vitor Costa

A carreata

Mantendo as tradições desde o início da década de 70, a imagem de São Jorge é colocada em cima de uma caminhonete do Corpo de Bombeiros para percorrer o trajeto que “tem hora para sair da quadra, mas não para voltar”, lembra Dandão. O ateliê do Reizinho de Madureira é responsável pela ornamentação da imagem do santo para os festejos: compromisso sempre de pessoas como Branco Malandro, Sérgio Dandão e Fumaça — que, com sua voz imponente, logo afirma: “Quem organiza isso somos nós”. 
 

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Branco Malandro, Fumaça e Sérgio Dandão na porta da quadra do Império. Imagem:  João Vitor Costa

Os cuidados com a imagem incluíam uma capa nova para o guerreiro São Jorge, um novo penacho e um tapete vermelho: isso já para deixar a imagem pronta para receber os devotos de São Jorge durante a semana, que apenas iam à quadra para pedir uma bênção ao santo, antes da carreata. Mas para o domingo posterior ao 23 de abril, dia do cortejo, a turma de baluartes sempre preparava bandeirinhas, flâmulas ou outro tipo de lembrança para distribuir ao longo do trajeto, além de enfeitar o andor que transporta a imagem. “Na noite do sábado, a gente enfeitava tudinho: esses caras iam à CADEG comprar as flores naturais”, relembra Dandão, nosso arquivo vivo. “Quando o carro dos bombeiros chegava no domingo,  a gente pegava o andor, bem pesadinho, todo enfeitado, e colocava na caçamba da caminhonete.”

Com o São Jorge já estável em cima do carro — cuidados que eram tomados por Oswaldo Maguila, fazem questão de lembrar Fumaça e Dandão — e tendo passado a poucos centímetros do teto da entrada da escola, estava tudo pronto para o início do evento. Sempre ao som de fogos, a carreata partia para o seu trajeto por volta das 10h da manhã.

Jorginho do Império, ex-intérprete da escola que incluiu em seu nome artístico, em entrevista ao Sem Censura da TV Brasil descreve que, na carreata, “vai todo mundo de carro, ônibus, van, a pedal: do jeito que for”. Assim, todos seguem o trajeto, que começa seguindo pela Estrada do Portela até Osvaldo Cruz — especificamente na Portelinha — de onde o cortejo vai em direção ao Quartel dos Bombeiros do Campinho, onde chegam através do Viaduto Negrão de Lima, para que o grupamento faça suas saudações ao santo.

Trajeto que a carreata percorre.

Dali, o próximo destino é a Igreja de São Jorge, em Quintino, onde os carros estacionam para que o padre da paróquia dê as bênçãos à imagem do santo guerreiro e aos que acompanham o evento. Da Rua Clarimundo de Melo, a carreata continua até o Engenho de Dentro, onde fica o Centro Espírita Caminheiros da Verdade. “Na esquina da Rua Piauí, a gente tem obrigação de parar”, descreve Dandão.

Depois desse percurso, ainda faltam três destinos. O próximo é a quadra da Imperatriz Leopoldinense, em Ramos. Gregório Filho, antigo vice-presidente cultural do Império e proprietário do botequim da Casa de Jorge, em Quintino, relembra como o momento era único: “Eles estão esperando a gente, aí é a bateria da Imperatriz tocando com a bateria do Império, a gente bebendo cerveja, comendo, louvando a São Jorge... e é uma festa muito bonita”, conta. “O samba é um dos poucos eventos populares em que não há rivalidade, tanto que somos tratados a pão de ló.”

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Gregório Filho em seu bar, Casa de Jorge. Imagem:  João Vitor Costa

Saindo de Ramos, passando por Irajá, a próxima parada é o Morro da Serrinha, em Madureira. Foi lá que a escola nasceu, em 1947, e é o penúltimo destino da carreata. Sérgio Dandão, que mora na Serrinha, fala que, quando o cortejo entrava nas ruas da comunidade, já estava tudo preparado para recebê-lo, desde a véspera. “A gente colocava o pessoal para lavar e pintar tudo: enquanto um varria a calçada, o outro ia pintando o meio-fio e os postes, intercalando verde, branco, verde e branco”, descreve.

Na fachada de um bar de esquina, também pintado com as cores do Império, vemos dois altares com imagens de São Jorge. Pregadas na parede, do lado de fora, placas — da Prefeitura do Rio e da escola de samba — marcam aquele local como Espaço de Resistência Cultural.

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Sérgio Dandão e Branco Malandro em frente ao Bar do Zezinho. Imagem: Harumy Sato

Dentro do bar verde e branco, em meio a diversas imagens do santo guerreiro — estátuas, fotos no balcão e um mural pintado na parede — está Zezinho, o proprietário do local, apoiado no balcão. Com seu sotaque carioca carregado, ele conta que, além dos preparativos para a festa, também fazia uma comida especial para receber quem estivesse na carreata: “A gente fazia uns panelões de feijoada, arroz, farofa”, lembra dimensionando com as mãos o tamanho das panelas.

Zezinho em seu bar. Imagens: Harumy Sato

“Quando a carreata chegava em frente à Rua Balaiada, onde foi fundado o Império Serrano, o carro parava e começavam os fogos: eram quase 35 minutos de fogos, aí o pessoal rezava, depois tinha música.” É assim que Sérgio Dandão descreve o penúltimo destino da carreata, complementado por Branco Malandro, com seu sorriso dourado, que mostra onde era a casa de Tia Eulália, no alto do Morro da Serrinha. Era esse o momento, já no fim da tarde, em que quem estava na rua desde cedo acompanhando o cortejo parava para comer. Gregório Filho diz que é onde a carreata passa a maior parte do tempo: “Já estão nos esperando com feijoada e, depois, tem show da bateria e dos segmentos da escola”, lembra.

Para encerrar o dia, o destino final é onde o trajeto começou: a quadra do Império Serrano. Com festa sem hora para acabar, a imagem volta já descaracterizada à quadra. Dandão e Branco contam que, na Serrinha, todas as flores que ornamentam o andor são distribuídas aos moradores e a quem participou do evento. “Quando a gente sai, parece uma mata virgem, mas quando voltamos, coitadinho, já não tem nada”, brincam. 

São jorge

“O meu Império é raiz, herança

E tem magia para sambar o ano inteiro

Imperiano de fé não cansa

Confia na lança do Santo Guerreiro

E faz a festa porque Deus é brasileiro.”

Foi com esses versos que o Reizinho de Madureira foi para o carnaval de 2006. No enredo “Império do Divino”, em que a escola apresentou diversas festas religiosas brasileiras, não podia faltar a fé no padroeiro da escola: São Jorge. Mas não é só do Império Serrano que São Jorge é considerado padroeiro. Escolas como a Beija-Flor de Nilópolis e a Estácio de Sá também, podemos dizer, confiam na lança do santo guerreiro.

“Quando a Umbanda surge em São Gonçalo e se espalha pelo Rio de Janeiro entre as décadas de 20 e 40, ainda não havia muita diferença entre o ambiente de samba e o da Umbanda.” Explica o historiador Luiz Antônio Simas em entrevista ao Carnavalesco. “São Jorge acaba sendo a figura de grande destaque, muito vinculado a religião carioca. A feijoada em homenagem ao santo vem do sincretismo. Especificamente no Brasil ela é alimento de Ogum nos terreiros”, explica. “Nas religiosidades afro-brasileiras cariocas não há a separação entre sagrado e profano, elas se misturam o tempo inteiro nas macumbas.”

Mas o porquê da escolha de São Jorge pelo Reizinho de Madureira é contada pelo benemérito da escola, Gregório Filho. “Não tem uma explicação definida”, confessa, mas, “os personagens que estavam envolvidos na fundação da escola, como Sebastião Molequinho, Tia Eulália, Tia Maria, eram todos devotos de São Jorge”.

o menino de 47

Ledahi Nascimento, de 88 anos, é filha de Tia Eulália — uma das fundadoras do Império Serrano, citada na música de Arlindo Cruz e Mauro Diniz sobre Catorze anos mais velha que a escola de samba, Tia Leda foi testemunha ocular de toda a história da escola desde sua fundação. “Já existia o Prazer da Serrinha, mas ela descia [o morro] e não ganhava nada”, lembra. O nascimento da outra escola de samba do Morro da Serrinha, em Madureira, aconteceu em reuniões no quintal de sua casa, no alto do morro, na Rua Balaiada — hoje rebatizada de Rua Tia Eulália . Ainda criança, Leda queria escolher as cores Azul e Amarelo Ouro, mas se contentou com a combinação escolhida pelo Sr. Antenor: Verde e Branco.

“Ai, meu lugar

Quem não viu Tia Eulália dançar

Vamos ali no terreiro benzer

Que ainda tem jongo à luz do luar”.

“A gente ia apanhar água na bica do Cajueiro porque não tinha água encanada na Serrinha.” Lembra Ledahi de quando era preciso buscar água na comunidade vizinha e tomar cuidado para se equilibrar com a lata d’água no chão escorregadio. Isso tudo era para lavar a quadra e receber as celebridades. “Para conhecer o Império, os artistas precisavam subir o morro”, conta. “Minha casa era uma bonita, com móveis coloniais, que eram retirados da sala para os artistas sentarem na quadra.”

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Tia Ledahi. Imagem: Harumy Sato

Orgulhosa pela história de sua família coincidir com a do Reizinho de Madureira (fundado em 1947),  filha de Eulália e sobrinha de Molequinho,  Ledahi cantarola, emocionada,  os versos da composição de Nilton Campolino: “Menino de 47/ De ti, ninguém se esquece/ Serrinha, Congonha, Tamarineira/ Nasceu o Império Serrano/ O Reizinho de Madureira”.

Sérgio Dandão é quem nos apresenta todas as histórias da Serrinha e, consequentemente, do Império Serrano. De cabeça, com memória que mais parece um arquivo, sabe descrever a árvore genealógica de todas as famílias envolvidas na fundação da escola. O detalhe que gosta de chamar a atenção é para o emblema da verde e branco de Madureira: “GRES Império Serrano: uma escola de samba”. 

Um desses herdeiros tem um bar na entrada da Serrinha e é conhecido como Madureira. Neto de um dos fundadores do Reizinho de Madureira Antônio Fuleiro e filho de Fuleirinho, com o tempo, sente que a escola de samba está ficando distante de suas origens. “O Império está longe da Serrinha porque saiu da nossa mão, da raíz”, lamenta. “Quando o coração batia muito forte era porque o Império tava batendo dentro da Serrinha.”

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Madureira exibindo orgulhosamente uma imagem de seu avô, Antônio Fuleiro. Imagem: Harumy Sato

Separado do comércio de Madureira por uma casa, está o Espaço Cultural Tia Eulália. Comandado por Helton Dias, filho de Ledahi e neto de Eulália, também é neto de Eloy Antero Dias (avô paterno), que dá nome à quadra da escola de samba. Helton nos mostra que as raízes ainda estão lá. “Só não tem jeito para a morte”, lembra da frase que tanto ouviu da avó Eulália. “Ela dava solução para as coisas da Serrinha, do Império Serrano e da nossa família e isso me motivou a fazer o que fazemos aqui: sempre falo para deixarem as portas abertas, porque as da minha avó eram sempre assim”, relembra.

Se para ajudar a comunidade fazendo parcerias para a doação de roupas e alimentos, por exemplo, Helton se inspira na avó com seu “espírito de sempre agregar e trazer as pessoas para perto”, também vê em São Jorge motivos para se inspirar, baseado na crença que São Jorge foi torturado por não negar sua crença no cristianismo.  Em uma conversa na calçada, parando para cumprimentar pessoas que passavam pela rua, como uma senhora de idade e uma criança voltando da escola, Helton fala sobre sua relação com o santo. “Eu tenho esse idealismo dele”, explica. “A luta dele era em defesa da religião e eu acho que tenho isso: quero defender minha comunidade.”

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Helton ao lado da foto de sua avó no centro cultural que leva o nome dela. Imagem: Harumy Sato
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