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Rabiola

Publicada originalmente em 12/04/2020 e republicada em 17 de março de 2021, 19h05
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Ilustração: Harumy Sato

Dezoito. Dezenove. Vinte. Vinte e um. Ou seriam vinte e dois? Eu já contei aquela azul com rabiola verde? A do Vasco caiu, então agora são mesmo vinte e um.

A quarentena (ou férias, pra alguns) coloriu o céu com todos os tipos de pipas. Elas sobem, descem e caem rodopiando até achar o chão, uma árvore ou o muro de alguém. E, desde que o mundo é mundo, toda a molecada corre atrás pra ver quem consegue uma pipa nova. O foda é quando você corre que nem um louco e a pipa rasgou, só sobrou a rabiola. Decepcionante.

Lembro até hoje da primeira vez que soltei pipa. Eu devia ter uns 6 anos e tava na laje dos meus padrinhos, vendo uma disputa e tanto entre duas raias no céu. Meu padrinho me perguntou se eu sabia como colocava no alto. Respondi que não, e ele me ensinou. Voei baixo, despretensiosamente. Não queria correr o risco de ousar demais e alguém me cortar.

Eu cresci, e as pipas sumiram um pouco. Era mais raro ver o céu todo colorido e disputas como aquelas. Se você quisesse uma competição saudável, ia ter que provocar, buscar o cara lá na laje dele, questão de demanda. E eu senti falta de ver as pipas. O problema é que eu duvido que as vinte e duas pipas que eu contei saíram de uma laje cada uma. Que não tem uns cabeçudinhos correndo descalços atrás de uma pipa avoada.

Ontem mesmo, quando voltei da padaria, tinha cinco moleques me esperando no portão —  um deles de máscara, mas no pescoço, claro. A pipa tinha voado pra minha laje. Abri o portão e chamei o amigo-do-filho-da-namorada-do-meu-tio, que tava no meio deles, pra ir lá pegar. Ele foi e desceu desapontado: tinha corrido a toa, era só a rabiola, mas o amigo tinha duas e emprestou uma pra ele. Quando eles tavam indo embora, um cara sentado lá perto disse: “Eu odeio pipa como o Diabo odeia a Cruz”. Discordo, só que não são tempos pra caçar pipa por aí.

Que fique claro, eu não culpo as crianças, nem um pouco. Se eu tô entediada na quarentena e só falto roer as unhas dos pés, imagina eles. O isolamento só não é um porre se você mora na casa da Ana Hickmann. Aqui as coisas são bem diferentes. E a Globo não se deu ao trabalho nem de voltar com a TV Globinho pra fazer um agrado, custava nada.

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